Envolvido com Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE) desde 2011, quando atuou no IBGE como instrutor do módulo de Metadados Geoespaciais da Capacitação da INDE (Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais), o engenheiro cartógrafo Rafael Lopes da Silva atuou também no módulo Introdução à INDE ministrado na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e, na Diretoria de Geociências do IBGE, foi gerente de Geoinformação e Tecnologia (GGT), apoiando a Secretaria Executiva da Concar (Comissão Nacional de Cartografia) e a Gestão do Diretório Brasileiro de Dados Geoespaciais (DBDG), da INDE.
Em junho deste ano, decidiu trabalhar para a disseminação de temas ligados à infraestrutura de dados espaciais (IDE), geogovernança (G2) e políticas públicas (P2). Nasceu assim o canal IDEG2P2, que possui perfis no Instagram, no Facebook e no Youtube, com cerca de 1.500 seguidores.
Em entrevista ao Geocracia, Rafael destaca a importância do fator geogovernança nessa verdadeira equação matemática que criou para identificar e disseminar a integração entre os três temas: “É uma forma de criar a cultura de governança de bases de dados espaciais para o uso e exploração da geoinformação na formulação de políticas e na tomada de decisões, habilitando os cidadãos e gestores geoespacialmente”, diz Rafael.
Por que falar de IDE, geogovernança e políticas públicas é importante?
A formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas utiliza bases de dados referenciados ao território disponibilizadas por diversas instituições públicas. O sucesso dessas políticas depende fortemente da qualidade das informações geradas a partir dessas bases de dados. Daí a importância de se ter uma IDE consolidada e atualizada, disponível para apoiar políticas públicas.
Ter uma IDE consolidada e atualizada é um esforço muito grande que não resolve apenas com a gestão do DBDG. Pelo Decreto nº 6.666, de 27 de novembro de 2008, que instituiu a INDE, uma das principais definições é a responsabilidade do IBGE como gestor do DBDG, incluindo a manutenção do Portal da INDE (SIG-Brasil). Mesmo com a recente extinção da Concar, o IBGE vem fazendo um excelente trabalho mantendo e atualizando o DBDG e realizando as capacitações da INDE.
Na literatura, apesar de existirem conteúdos científicos individuais referentes à IDE, políticas públicas e governança, percebeu-se a falta de conteúdo integrando essas três áreas de estudo. Ao aprofundar-me mais no assunto, foram identificados problemas como a existência de poucos estudos e artigos científicos que tratam da integração entre IDE, políticas públicas e governança, a falta de cultura de governança do uso e exploração de bases de dados geoespaciais e o déficit de utilização e exploração da geoinformação na formulação de políticas públicas.
Com a ideia de utilizar as redes sociais para disseminar a importância dessa integração e buscar a aproximação com estudantes, pesquisadores e profissionais envolvidos com esses temas, percebi também a falta de canais nas redes sociais para abordar assunto. Comecei então a utilizar a rede social chamada “ResearchGate” para me aproximar de especialistas em IDE e políticas públicas de diversos países. E, realmente, essa estratégia funcionou, pois obtive respostas de Portugal, do Reino Unido, da Austrália, do Paquistão, da Suécia, da Colômbia, da Bélgica e da Áustria, que são referências mundiais nessas áreas de interesse. Isso evidenciou ainda mais os problemas encontrados e me fez buscar uma forma de disseminar essa linha de pesquisa.
E foi daí que surgiu a ideia de criar a IDEG2P2 nas redes sociais, em referência a Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE) + GeoGovernança (G2) + Políticas Públicas (P2), especificando a geogovernança como a “forma de criar a cultura de governança de bases de dados espaciais para o uso e exploração da geoinformação na formulação de políticas e na tomada de decisões, habilitando os cidadãos e gestores geoespacialmente”.
A IDEG2P2 tem como objetivos identificar e disseminar a integração entre as temáticas de IDE, geogovernança e políticas públicas; apoiar a criação de uma cultura de geogovernança, e disseminar o uso e exploração da geoinformação para formulação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas.
Para alcançar esses objetivos, definiu-se como estratégias a apresentação de casos reais de uso da geoinformação nas políticas públicas, o apoio para a capacitação de especialistas e não especialistas na integração das temáticas tratadas e a realização e disseminação de entrevistas com especialistas.
Quais são as principais IDEs do mundo, hoje?
Existem mais de 190 iniciativas nacionais de IDEs, entre mais e menos avançadas e com diversos níveis de desenvolvimento. Essas primeiras iniciativas surgiram na década de 90, com o objetivo de facilitar o acesso, compartilhamento, armazenamento, disseminação e exploração da geoinformação.
Na minha visão, os três precursores nesta temática se destacam fortemente: Portugal, EUA e Canadá. Além desses, considero muito importantes também o Brasil, a Espanha, Colômbia e a Diretiva INSPIRE (Infrastructure for Spatial Information in the European Community), referência seguida pelos estados-membros da União Europeia e modelo de governança de IDE.
A IDE de Portugal, conhecida como SNIG (Sistema Nacional de Informação Geográfica), foi a primeira no mundo, criada em 1990 por meio do Decreto-Lei n.º 53/90, sendo uma grande referência mundial. O SNIG possui uma coordenação estratégica chamada CO-SNIG, e tem como coordenador a entidade pública Direção-Geral do Território (DGT). O CO-SNIG exerce a governança da IDE de Portugal definindo as estratégias e o desenvolvimento da infraestrutura, tratando da aprovação das orientações, objetivos gerais e promovendo a articulação entre as entidades membros, por exemplo.
A IDE dos EUA, a NSDI (National Spatial Data Infrastructure), foi uma das primeiras, e o destaque é que, em 1997, ela elaborou um plano estratégico para nortear as ações relacionada à IDE do país. Desde lá, vem atualizando o documento. A última atualização é de 2020 e está vigente de 2021-2024. A definição de estratégias é fundamental e considerada um dos pilares para exercer uma boa governança de IDE. Ou seja, capacitar a nação para que se torne geoespacialmente habilitada a tomar decisões com base na localização. E dos quatro objetivos estratégicos, o primeiro é sobre a implementação da Política Nacional Geoespacial e de uma estrutura de governança.
Outro destaque é a IDE do Canadá, conhecida como CGDI (Canadian Geospatial Data Infrastructure), e neste caso vou destacar o estudo recente que fizeram para avaliar as necessidades do usuário, buscando uma coerência com a 3º geração de IDE. O estudo foi feito para compreender os requisitos atuais das partes interessadas. Isso é muito importante para conhecer bem que é o usuário da IDE.
É evidente que não tenho como deixar de destacar a IDE do Brasil, conhecida como INDE, que considero uma das principais. Na minha visão, o Brasil também é uma grande referência nesta temática, e não só por eu ter acompanhado e vivenciado o seu desenvolvimento, mas por tudo o que tem hoje disponível e em pleno funcionamento. Com a extinção da Concar, todos os esforços para manter a INDE ativa por meio do DBDG estão absorvidos e mantidos pelo IBGE. Cabe lembrar que a INDE foi premiada em dezembro de 2013 no concurso de boas práticas promovido pela CGU (Controladoria Geral da União), com o objetivo de promover melhorias na transparência e no controle interno das entidades públicas no âmbito Federal. Acredito fielmente que todos os esforços para reativar a Concar estão sendo feitos e que isso é um interesse comum, que envolve não só o IBGE, mas também as outras entidades públicas das esferas municipal, estadual e federal.
A IDE da Espanha, conhecida como IDEE (Infraestructura de Datos Espaciales de España), é totalmente rica em conteúdo de qualidade. Eu utilizo muito o conteúdo disponível na IDEE. É possível acessar os diversos projetos de IDE ou que tenha envolvimento de alguma IDE, seja de responsabilidade da administração geral do Estado, da administração autônoma ou local.
Outra IDE que destaco aqui é a da Colômbia, conhecida como ICDE (Infraestructura Colombiana de Datos Espaciales), que tem como coordenador o IGAC (Instituto Geográfico Agustín Codazzi). O IGAC faz um excelente trabalho e a ICDE tem sofrido constantes atualizações que considero positivas e de excelência, mantendo na sua definição o foco na implementação de políticas, na gestão de dados, informações e conhecimento com o intuito de servirem de base para governança e tomada de decisão.
No Brasil, existem outras IDE que se destacam, principalmente em outras esferas de governo, como estaduais e municipais, e ainda as IDE temáticas. Para exemplificar, cito as dos estados da Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul e a IDE de Belo Horizonte. Já em outros países, em outros níveis de IDE, cito a IDEAlg (IDE do Algarve) e IDEiA (IDE dos Açores), ambas em Portugal, além da IDE de Madrid e de Cáceres, na Espanha.
O que o Brasil pode fazer para aprimorar sua governança geoinformacional? A Diretiva INSPIRE pode nos ensinar como proceder?
Atualmente, esse é um assunto muito importante e delicado que deve ser tratado o quanto antes, pois está cada mais em evidência. Antes da Concar ser extinta, seu papel era fundamental nesse processo.
A geoinformação tem um papel valioso para o desenvolvimento econômico, social e ambiental e, consequentemente, melhora a governança e a qualidade de vida dos cidadãos. Muitos países estão buscando criar políticas para regulamentar a geoinformação e, nesse caso, a IDE se torna um instrumento de regulamentação. Uma política em nível nacional torna-se fundamental para esse aprimoramento da governança da geoinformação e de IDE.
Como exemplo, temos os EUA que, em 2018, sancionou a Lei de Dados Geoespaciais (Geospatial Data Act of 2018). No seu texto, o Congresso menciona que, nas duas últimas décadas, foram aprovadas legislações promovendo um maior acesso e uso de dados e informações governamentais, o que resultou na geração de serviços inovadores, no crescimento econômico em serviços geoespaciais, no avanço de pesquisa científica e na melhoria do acesso aos dados geospaciais voltadas para saúde pública, previsão do tempo, proteção ambiental e na pesquisa de zonas de inundação.
De forma geral, a governança é isso mesmo, definir as regras, estratégias e responsabilidades negociadas e acordadas entre as partes interessadas em busca de objetivos comuns. Uma boa governança gera confiança.
Em relação ao Brasil, o que posso citar é que o país não estava distante disso, pois a Concar, por meio do CPNGeo (Comitê da Política Nacional de Geoinformação), estava a todo o vapor para a construção da Política Nacional de Geoinformação, com envolvimento de diversos órgãos governamentais em diferentes esferas de governo. É claro que, após a conclusão do documento dessa nova política, seria necessária uma consulta pública e um apoio político para ir adiante. De qualquer forma, o trabalho é árduo e complexo e deve-se atentar a outras políticas existentes, como a de dados abertos e ambientais, que possuem relação com as IDE e a geoinformação.
Na minha visão, o Brasil, por intermédio das instituições membros da Concar, pode ter a sua política atualizada e moderna, mas é necessário unir esforços para isso. E acredito que esteja sendo feita essa movimentação em busca desse objetivo comum. Também acredito na reativação da Concar ou mesmo na criação de um novo conselho ou comissão estratégica para a continuidade desse e de outros trabalhos que estavam em desenvolvimento, trazendo benefícios para o país e garantindo uma nova governança mais sólida para a geoinformação e IDE. A nova política de geoinformação possibilitaria também a atualização das Diretrizes e Bases da Cartografia Brasileira fixadas a partir do Decreto-Lei 243, de 28 de fevereiro de 1967, que já está mais do que na hora de ser atualizado.
Sobre a Diretiva INSPIRE, apesar dos países da Europa terem culturas e características específicas e diferentes, com certeza pode nos dar grandes ensinamentos e referências. Desde que entrou em vigor, em 2007, houve um crescimento muito significativo em relação à implementação de IDE na Europa, com o intuito de atender às políticas ambientais. A Diretiva tem como base as IDE implementadas pelos estados-membros e, por isso, tem um papel totalmente estratégico, garantindo uma governança para a geoinformação na Europa. Os países fazem todos os esforços para seguir as orientações e estratégias definidas, pois existe monitoramento e controle sobre essas ações. Podemos citar um exemplo interessante: a Diretiva INSPIRE definiu uma abordagem em 34 temas de dados espaciais necessários a aplicações ambientais, e essa é uma referência para todos os estados-membros. Outro ponto importante que deve ser mencionado é que a INSPIRE entrou em vigor em maio de 2007 e tem a previsão de estar totalmente implementada até dezembro de deste ano.
No Brasil, o Plano de Ação para Implantação da INDE foi construído com a participação de diversas entidades públicas, através do CINDE (Comitê de Planejamento da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais), que posteriormente passou a se chamar Comitê Técnico da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais e, por sinal, é um documento exemplar. De acordo com o plano de ação, a previsão de implantação total seria 2020, e muito foi construído nesse tempo, mas sempre fica aquele pensamento de que poderíamos ter feito muito mais. Em 2018, uma grande vitória foi a idealização e realização do 1º SBIDE (1º Simpósio Brasileiro de Infraestrutura de Dados Espaciais), proposta feita pelo IBGE (na época pela GGT/DGC) em parceria com a UFPR (Universidade Federal do Paraná). Tivemos a participação da Profª Silvana Camboim e o apoio da Concar. A 2ª edição do SBIDE ocorreu em 2020 e veio para ficar, trazendo muito benefícios, principalmente na integração entre entidades publicas (todas as esferas de governo) e a área acadêmica.
Voltando à Diretiva INSPIRE, como sua implementação total está prevista para dezembro, algumas pesquisas em andamento na Europa chamaram a atenção. Ainda não estou fazendo nenhum tipo de questionamento em relação a isso e muito menos criando polêmicas, que nunca será meu intuito, mas é para todos terem uma atenção especial para o que está por vir. Especialistas estão pesquisando, numa perspectiva tecnológica, a evolução das IDE para os chamados “Espaços Abertos”, devido à crescente geração de dados por meio de iniciativas como crowdsourcing: Volunteered Geographic Information (VGI) IoT (Internet da Coisas), Data Streaming, além da utilização do conceito de Big Data, entre outros.
O tema da Conferência INSPIRE 2021, que será on-line, na semana que vem, de 25 a 29 de outubro comprova um pouco isso. O tema será: “Rumo a um espaço de dados do Acordo Verde Europeu Comum para o meio ambiente e a sustentabilidade” (Towards a Common European Green Deal data space for environment and sustainability).
Mas tudo isso é uma atenção especial que temos que ter para identificarmos oportunidades, a fim de evoluir e aprimorar nossas IDE e a governança da geoinformação, visando benefícios para os cidadãos a partir das bases de dados governamentais.
Qual seria sua mensagem a um município brasileiro, seja Prefeitura ou Câmara de Vereadores, que deseja ter uma IDE atualizada, interoperável e com financiamento público?
No Brasil, quando o assunto é IDE, não tem como pensar diferente. O que está definido na INDE é a direção a seguir. Considerando a questão tecnológica, o gestor do DBDG – pelo Decreto nº 6.666, o IBGE – orienta a todos atores sobre os procedimentos a seguir para a devida adesão à INDE, conforme descrito no Portal Brasileiro de Dados Geoespaciais – SIG-Brasil. Os órgãos públicos ou a própria Prefeitura do município que queiram fazer a adesão à INDE podem acessar as informações neste link. Lá estão disponíveis todos os procedimentos. No caso de adesão pela modalidade “Nó Próprio”, o ator deve possuir toda infraestrutura de hardware, software e recursos humanos competentes para manter a infraestrutura e os procedimentos necessários. Já no caso de adesão pela modalidade “Nó Central”, o ator não possui ou não pretende, no momento inicial, criar essa infraestrutura, e o DBDG disponibiliza uma infraestrutura na nuvem com acesso aos catálagos de metadados geoespaciais e geoserviços.
Par apoiar o ator na adesão, o gestor do DBDG disponibiliza uma capacitação que contempla os módulos sobre conceitos de IDEs, metadados geoespaciais (teórico e prático utilizando o GeoNetwork), geoserviços (teórico e prático no GeoServer) e visualizador de dados da INDE (VINDE). Além disso, ainda se mantém disponível para reuniões técnicas de orientação sobre procedimentos a seguir, considerando avaliação da modalidade e análise da infraestrutura tecnológica e de treinamento necessários para o ator.
Apesar dos diversos problemas em relação à governança da INDE, devido à extinção da Concar, o IBGE mantém em funcionamento o DBDG e vem realizando as capacitações e reuniões para que a adesão não pare e continue a crescer, como vem ocorrendo.
Em relação aos municípios, de acordo com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC, do IBGE, divulgada em 2015, 20,8% dos municípios informaram possuir Base Cartográfica Digitalizada e 10,3% tinham Sistema de Informações Geográficas – SIG. É um dado interessante para ser analisado, já que esses são potenciais atores com grande possibilidade de se tornarem um Nó da INDE, e os dados geoespaciais já existem.
Existe realmente a necessidade de se criar uma cultura de geogovernança para definir estratégias, responsabilidades, formas de monitoramento e avaliação, além dos arranjos institucionais, para melhorar a gestão da geoinformação no país.
Então, a mensagem que deixo para o município que queira uma IDE atualizada e interoperável é que, primeiramente, identifique os dados geoespaciais produzidos e sua respectiva responsabilidade. Assim, poderá iniciar o contato com o gestor do DBDG, a fim de receber as devidas orientações quanto à sua adesão à INDE. Esse é apenas o início de todo o processo de adesão. Por isso, a mensagem que deixo tem o sentido de fomentar e estimular a adesão à INDE.
Para finalizar, deixo uma frase do ilustre escritor e professor Peter Drucker, conhecido como o pai da administração moderna: “A melhor maneira de prever o futuro, é criá-lo”.
Precisamos agir em busca de objetivos comuns, tornando o uso e exploração da geoinformação disponibilizada e disseminada por órgãos públicos fundamentais para a formulação de políticas públicas e a tomada de decisões, resultando em benefícios para os cidadãos. Uma boa governança gera confiança.