A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou nesta terça-feira (1º) um relatório de avaliação da atual política pública de regularização ambiental e os impactos gerados pela ocupação ilegal de áreas públicas na Amazônia Legal. De acordo com o texto, que será encaminhado à Mesa Diretora para divulgação, até o fim de 2020, mais de 14 milhões de hectares de terras públicas estavam registrados ilegalmente como propriedade particular no Cadastro Ambiental Rural (CAR), sendo que 3,4 milhões já haviam sido desmatados.
De autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), o relatório destaca que o governo promoveu uma ampla desorganização dos órgãos públicos ligados à defesa ambiental e à regularização fundiária, com destaque para a situação do Incra, a partir de cortes orçamentários e falhas na gestão do capital humano formado por seus servidores, além de ter desmobilizado ações ambientais que já estavam em processo de aperfeiçoamento.
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O relatório ressalta que o CAR tem sido utilizado como um caminho certo para legitimar a grilagem em terras públicas em todo país, sobretudo na Amazônia, apesar de constituir um importante instrumento de monitoramento e regularização ambiental dos imóveis rurais.
“Por isso, a ligação entre a grilagem marcada pelo CAR e a retirada da floresta como meio de comprovar a posse sobre a terra, sem nenhum interesse imediato na produção ou no aproveitamento adequado da área, é um dos principais impulsionadores do desmatamento. Cerca de 66% dos casos ocorreram dentro do perímetro declarado ilegalmente como particular, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia”, destaca o documento.
Registros sobrepostos
De acordo com o relatório da CMA, denúncias apontam que, ao longo dos últimos anos, o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural tem recebido registros de propriedades ilegais em terras públicas destinadas e não destinadas. Trata-se de registros sobrepostos a Florestas Públicas Não-Destinadas (FPND), Terras Indígenas (TI) e Unidades de Conservação (UC) que não poderiam ser aceitos no sistema como propriedade privada ou mesmo posse legítima e, portanto, com direito de registro no CAR.
“Como o CAR é autodeclaratório, grileiros cadastram no sistema supostos imóveis rurais nas florestas públicas não destinadas, para simular um direito sobre a terra que eles não possuem, conforme a legislação atual. E o aumento da grilagem de terras é apenas uma das muitas consequências nefastas desse processo, que envolve corrupção, formação de quadrilha, trabalho escravo, violência contra povos indígenas, roubo de madeira e mineração ilegal”, disse o senador Jaques Wagner, que leu o relatório.
De acordo com o Laboratório de Inovação, Inteligência e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram identificados, a partir de dados do próprio Serviço Florestal Brasileiro (SFB), 2.789 cadastros sobrepostos a terras indígenas, somando mais de 380,5 mil hectares.
“É fundamental compreender como os filtros do CAR estão sendo operados, bem como quais ações devem ser tomadas para impedir cadastros em terras públicas não destinadas, comunicando à população, e às demais nações, como os cadastros realizados de maneira irregular serão suspensos ou regularizados”, afirma Wagner.
Desmatamento e grilagem
Em 2004, foi lançado o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, cujos resultados foram positivos devido à articulação de três eixos temáticos: ordenamento fundiário e territorial; monitoramento e controle ambiental; e fomento às atividades produtivas sustentáveis.
Entre 2005 e 2014, deixaram de ser desmatados mais de 11 milhões de hectares ou 22 bilhões de árvores adultas, sendo considerada a maior contribuição de um único país para toda estratégia de mitigação de emissões de gases de efeito estufa no planeta. Houve uma redução na taxa anual de desmatamento de 82% em função da implantação efetiva do plano de ação.
Esse cenário mudou desde 2015, e uma das causas para a reversão da trajetória da década anterior foi o aumento progressivo nas taxas de desmatamento no bioma amazônico, particularmente em terras públicas, como resultado direto da grilagem para fins de especulação fundiária, ponto focal da atenção do relatório da CMA.
Durante a leitura do relatório, Wagner lembrou que o Brasil assumiu, perante mais de 100 países na Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP26), realizada em 2021 em Glasgow, na Escócia, o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2028 e reduzir em 50% as emissões de gases de efeito estufa até 2030, por meio de ações coletivas para deter e reverter a perda florestal e a degradação do solo.
De acordo com o relatório da CMA, um dos maiores exemplos de paralisia no Incra foi o abandono da política fundiária de territórios quilombolas. O documento recomenda que o Congresso Nacional, além de legislar, fiscalize o Executivo na implementação da legislação vigente e avalie a efetividade da legislação, antes mesmo de promover sua alteração, propondo medidas corretivas e de aprimoramento da política. De acordo com o documento, é necessária e urgente a análise da regularização fundiária como política pública, avaliando também sua interface com o controle e regularização ambiental e com a prevenção e redução de desmatamentos ilegais na Amazônia.
Fonte: Agência Senado