Edmilson Volpi*
A história territorial da Ucrânia é uma coletânea de concessões da Rússia. Desde o século 17, por decisões geopolíticas de diversos governos russos, vastas áreas foram incorporadas ao país. Mas isso dá à Rússia de hoje o direito de desfazer essas concessões? E, afinal, se a inspiração de Putin é a Grande Rússia do passado, desmantelar a Ucrânia não é justamente fazer o contrário do que fizeram os antigos líderes, que atraíram os ucranianos promovendo a expansão de seu território? De acordo com artigo publicado recentemente no site Big Think, a estratégia agressiva e conquistadora russa pode sair pela culatra, jogando os ucranianos cada vez mais nos braços do Ocidente.
Ocupado pelos cossacos, o território original da Ucrânia (área amarela do mapa no topo da página) remonta ao início do século 17. Em 1654, fustigados por poloneses, tártaros da Crimeia e otomanos, o país recorreu ao czar Aleksei Mikhailovich, da Rússia, por proteção. Inspirado na histórica relação sócio-cultural entre os dois povos, o Tratado de Pereiaslav garantiu a segurança para os ucranianos. Apesar das promessas de autonomia não terem sido cumpridas ao longo dos 263 anos seguintes, mantendo o país na esfera do Império russo, a Ucrânia acabou herdando vastas áreas ao norte, onde, inclusive, se encontra a capital atual, Kiev (área verde clara no mapa).
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Em 1917, com a Revolução Bolchevique, as aspirações ucranianas pela independência ressurgiram com força. Ao final, de cinco anos de lutas, com os insurgentes sufocados, em 1922 Lenin ampliou o território do país, anexando à Ucrânia um grande território ao sul (área rosa na imagem).
O troco russo viria violentamente, na década seguinte, quando Stalin promoveu o Holodomor, a Grande Fome, genocídio reconhecido por diversos países e que matou matou mais de 5 milhões de pessoas, aniquilando os focos de resistência no país.
Mas o próprio Stalin colaborou com o crescimento do território ucraniano. Durante a II Guerra Mundial, fruto da contra-ofensiva da União Soviética (URSS) às tropas de Hitler, o país acabou ganhando, a leste, terras que eram da Polônia, Hungria e Romênia (área verde escura no mapa), com os habitantes não ucranianos que ali viviam deportados.
Finalmente, em 1954, a última adição ao território ucraniano, a estratégica Crimeia. Nikita Khrushchov, o então líder soviético, foi aconselhado a entregar a península à Ucrânia para facilitar a supervisão das obras de um sistema de irrigação que levaria água da represa da hidrelétrica de Kakhovka, no centro da Ucrânia, para o norte da Crimeia. A Ucrânia acabaria por, finalmente, se tornar independente após a queda da URSS, no início dos anos 90.
Putin na contramão dos seus inspiradores
Para Frank Jacobs, autor do artigo na Big Think, se entre as razões para as transferências de terras para a Ucrânia esteve sempre a ideia de aproximar o país da Rússia, a re-anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, teve efeito contrário, e o mesmo deverá ocorrer em relação às províncias separatistas russsófilas de Donetsk e Luhansk, justificativa de Putin para incorporá-las à Rússia e iniciar a invasão há 20 dias.
“Quanto mais da Ucrânia a Rússia absorver, menor será a chance de o que resta da Ucrânia voltar a ser amigável a Moscou. Uma Ucrânia menor é uma Ucrânia mais pró-ocidental. Se Putin quer que seu maior vizinho eslavo seja simpatico com seus objetivos geopolíticos, talvez ele devesse tirar uma página da cartilha de Lenin e tornar a Ucrânia maior novamente”, afirma o articulista.
Leia o artigo original (em inglês) no site Big Think e a tradução no Curiosidades Cartográficas. Fontes adicionais: The Washington Times e Britannica.
*Edmilson M. Volpi é engenheiro cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram