Rússia e Ucrânia: visualizações da guerra pela cartografia jornalística

Rússia e Ucrânia

Desde que as zonas de fronteira entre os dois países foram transformadas em campos de movimentos militares, os noticiários têm evidenciado que mapas podem mudar nosso entendimento sobre um assunto não apenas na pandemia, mas também nas guerras.

Antônio Heleno Caldas Laranjeira*

A análise de dados geoespaciais é decisiva no discurso que o jornalista assume para contar histórias de guerras e conflitos armados, sejam eles locais ou internacionais, como os que ocorrem neste momento entre Rússia e Ucrânia, na região do Leste Europeu.

Diversos jornais circulam há algumas semanas imagens fotográficas do solo à luz do dia de tropas russas e ucranianas. Vídeos pelas mídias sociais, em condições técnicas de baixa qualidade e normalmente noturnas remetem ao “outro lado da mídia”.

No meio do contexto midiatizado da guerra, sobretudo via televisão e web, os mapas disputam como fotos e vídeos a prevalência midiática sobre o começo de um novo conflito.

O fantasma da guerra parece sempre rondar a Europa e por isso suas fronteiras estão sempre em mudança. O discurso e a guerra, a diplomacia e a paz: esses dois pares dialéticos enlaçam a ideia de poder geopolítico especialmente no século XX após duas guerras mundiais.

A história da globalização é a fase suprema de um desenvolvimento econômico baseado nas guerras armadas e no fundamentalismo financeiro baseado no consumo de energias não-renováveis no século XXI.

Eis os motivos pelos quais uma guerra entre Rússia e Ucrânia pode significar uma séria crise para a moeda de países distantes, mas dependentes na relação de desenvolvimento desigual com base nas bolsas financeiras lastreadas pelo dólar, moeda fortemente baseada na economia do off-shore, como se denomina em Inglês o setor de petróleo e gás entre os investidores do capital. 

Para começar a reconhecer geograficamente os fatos é preciso lançar mão de mapas que se completem em seus discursos, visto que “todo mapa tem um discurso”.

Discursos sobre a guerra nos mapas jornalísticos

O G1 (Brasil) circulou, no último dia 21 de fevereiro, um infográfico contendo previsões sobre o posicionamento das forças armadas da Rússia e da Ucrânia, as cidades que são hotspots do conflito, bem como as datas dos acontecimentos recentes, como autorização das tropas e primeiros bombardeios. Nos mapas do G1 são destacados os principais alvos do ataque dos russos (pontos) e as faixas de conflito (áreas) entre os dois países, ficam evidenciadas em um design cronológico (storyboard) de modo estático, o que possibilita evitar o anacronismo discursivo de que “essa guerra não é nova” ou de que “todo o país está sendo atacado”.

Outro exemplo de uso dos mapas foi o Washington Post (Estados Unidos da América), que circulou, no último dia 4 de fevereiro, um conteúdo digital bastante completo sobre a guerra, com mapas de diferentes escalas que mudavam à medida que o texto era lido de modo dinâmico. No mapa do Washington Post notamos que uma história complexa precisa ser espacialmente interpretada a partir das fronteiras políticas (como da Bielorrússia), das zonas de conflito (em vermelho no segundo mapa), dos fluxos das tropas (em amarelo no terceiro mapa) e dos limites físicos (como entre o Mar Negro e o solo ucraniano).

Boas práticas de investigação sobre geopolítica

Os satélites são operados por militares e a história das geotecnologias passa pelas guerras, sobretudo a partir de 1990. Entre os anos 2000 à 2010, é notável a quantidade de publicações de crítica da mídia por jornalistas que enxergam que mapas podem ser potenciais ou problemáticos para as notícias.

Dados geoespaciais permitem aos jornalistas conhecerem “a face da guerra” e registrar através do geoprocessamento de imagens da Terra (processo computacional com base em fotografias aeroespaciais) cada movimento das tropas, dia a dia, com base em imagens de satélite fornecidas por agências espaciais.

O uso de mapas pelos jornalistas envolve sempre questões éticas sobre a atualidade do mapa, a objetividade da informação contida no mapa bem como a verdade jornalística que se constrói a partir dos mapas. No entanto, a visualização dos dados em mapas podem ajudar a proteger jornalistas ao mapear a violação dos direitos da imprensa em conflitos armados bem como podem representar para o público o desenvolvimento de uma guerra em escalas micro (local) e macro (mundial).

É preciso saber ler, escrever e interpretar as representações cartográficas para não cometer erros na leitura geopolítica de um acontecimento e nem reforçar as fake news que podem eventualmente aproveitar-se dos formatos estáticos de mapas digitais para falsificar informações.

A análise de dados digitais em contextos de guerra podem ajudar a denunciar violações de direitos. Por exemplo, as imagens de satélite de podem monitorar tropas e os rastros de GPS de voos comerciais podem facilitar a datificação dos acontecimentos dia a dia.

A Cartografia é famosa há séculos no Jornalismo por se tratar de uma técnica regulada pelos interesses dos reis e generais. Conforme os mapas simplificam ou complexificam a representação social da realidade, o design pode discursar, tecnicamente, sobre a real condição da crise política e seus fatores econômicos prevalentes diante de uma guerra.

* Jornalista pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Mestre em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Doutorando em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Professor de Geocomunicações pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IPBAD).

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