Sem regulação, Brasil patina na corrida espacial

Instalações do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão.
Um dos trunfos subutilizados pelo Brasil é o Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão – Foto Valter Campanato/Agência Brasil.

Apesar de o mundo estar cada vez mais se utilizando da tecnologia espacial nos mais diversos setores, desde as telecomunicações até o monitoramento de atividades como mineração e agricultura, passando pelos apps de geolocalização nos smartphones, o Brasil corre o risco de ficar para trás até de países emergentes. Mesmo com trunfos importantes, como a super bem localizada base espacial de Alcântara, no Maranhão, nossa indústria aeroespacial não decola e podemos ficar de fora de um negócio mundial que já soma US$ 440 bilhões por ano, com previsão de chegar a US$ 1 trilhão, antes de 2030.

Reportagem especial da Jovem Pan conversou com empresários, especialistas no setor aeroespacial e congressistas preocupados com um cenário de falta de investimentos, de regulação e de uma definição de estratégia em relação a um dos setores cruciais para a Economia do século 21.

“Não há consumo sistemático do governo para os produtos espaciais de empresas brasileiras, o que minimiza as possibilidades de mercado. Cada pasta tem que resolver seu problema. Assim, o Ministério da Comunicação faz um contrato com uma, a Polícia Federal acha outra empresa para usar imagens de satélite, e por aí vai”, afirma à JP o brigadeiro da reserva José Vagner Vital, membro do Sindicato Nacional das Indústrias de Defesa (Simde). Ele acrescenta que o governo é importante para garantir a viabilidade comercial das empresas: “Até o Elon Musk e o Jeff Bezos brigam pelos contratos da NASA. Falta um mercado que garanta que as empresas brasileiras vão conseguir vender seus produtos e, a partir daí, inovar e gerar um portfolio de produtos que poderão ser oferecidos também ao setor privado”.

Segundo Vital, um dos caminhos para melhorar esse cenário seria a criação de um marco regulatório que normatizasse o regime de aquisições, fomento, programas de utilização das tecnologias, produtos e serviços, tornando o ambiente de negócios menos hostil e criando ferramentas para facilitar a entrada de empresas. “Mas, para isso, precisa ter um órgão federal conduzindo as discussões com a sociedade e o setor privado, e hoje não tem”, afirma o brigadeiro.

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Essa solução pode vir da criação do Conselho Nacional do Espaço, cuja criação teve seu encaminhamento para um decreto aprovado em recente reunião do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, liderada pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno. Há ainda planos para a criação de uma Secretaria Extraordinária do Espaço.

No Congresso, tramita a proposta de lei complementar (PLP) 244/2020, do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), que se encontra desde julho na Comissão de Tributação e Finanças da Câmara. Ela determina que as empresas brasileiras de defesa tenham o mesmo regime tributário das estrangeiras, incluindo as espaciais. “As estrangeiras, quando vendem produtos para cá, têm vantagem competitiva pelos impostos dos países delas. Minha ideia é que fiquemos em pé de igualdade. Se dermos isonomia, as empresas nacionais conseguem competir, se tornarem viáveis”, diz o parlamentar.

Atrás de Índia e Argentina

Mas, enquanto tudo isso não sai do papel, a realidade é que o Brasil está perdendo oportunidades, mesmo em relação a outros países emergentes. A Índia, por exemplo, que criou o Ministério do Espaço em 1972 e instituiu um limiar de compra mínimo de produtos e serviços, investe, hoje, US$ 1,29 bilhão por ano no setor espacial, com um retorno de US$ 8,8 bilhões. Já responde por 2% do mercado mundial e planeja chegar a 10% graças ao setor privado. Já o Brasil tinha previsão de investir R$ 23,5 milhões na Agência Espacial Brasileira (AEB), em 2021, segundo dados do Portal da Transparência.

Até a Argentina possui seu caso de sucesso privado com a Satellogic, criada por um investidor do país que esteve no Vale do Silício e percebeu o mercado em expansão. A empresa já lançou 17 satélites e prevê chegar a 80 equipamentos, que possuem aplicações para mapeamento e produção de imagens em alta resolução. A Satellogic recebeu investimentos de um fundo brasileiro, que não conseguiu encontrar por aqui empresas espaciais brasileiras tão promissoras.

Empresários espaciais brasileiros ouvidos pela reportagem concordam que seria importante que o governo fomentasse um ecossistema. “Empresas pequenas inovadoras não recebem aporte e não conseguem demonstrar capacidade; logo, não conseguem ajuda de investidores-anjos ou fundos de investimento, e não se tornam competitivas”, avalia Oswaldo Loureda, fundador da empresa ACrux. Loureda sugere que o governo publique editais e licitações solicitando que empresas de diferentes tamanhos cooperem e trabalhem em conjunto – três pequenas, duas médias e uma grande, por exemplo.

Outra sugestão é que o Centro de Lançamentos de Alcântara fomente o surgimento de empresas aeroespaciais em seu entorno. Localizado próximo à linha do Equador, uma enorme vantagem em termos de economia de combustível no lançamento de foguetes, o centro poderá ser utilizado por empresas privadas a partir do próximo ano, após o Brasil assinar com os Estados Unidos um acordo de salvaguardas tecnológicas aprovado no Congresso em 2019 e dois editais realizados pela AEB em 2020 e 2021.

Fonte: Jovem Pan

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