Em artigo para o Infra Data, da Agência iNFRA, o advogado e geógrafo, Luiz Ugeda, avalia o enorme ‘buraco negro’ representado pela ausência de gestão do subsolo brasileiro. Pós-doutor em Direito (UFMG), doutor em Geografia (UnB) e fundador do Geocracia, Ugeda afirma que, mais do que olhar o subsolo do ponto de vista dos seus recursos naturais, precisamos aprender a compartilhar seus dados para fins múltiplos de vários setores de infraestrutura que nele atuam.
Leia o artigo na íntegra:
O que há no subsolo? Hades, o deus grego responsável pelo mundo inferior, costumava utilizar seu elmo que o tornava invisível. Esta habilidade foi empregada na morte de seu pai, Cronos, o deus do tempo. Com esta alegoria, passou-se a inferir que, no subsolo, o tempo não passa, se jaz para a eternidade.
No Brasil, desenvolvemos uma forma peculiar de lidar com esse território desconhecido. Foi nosso patrono, o geólogo José Bonifácio de Andrada e Silva, quem descobriu o mineral que produziria o lítio, tão em moda no mundo de hoje. Mais tarde, em 1874, criou-se a Comissão Geológica do Império, onde geólogos como Orville Derby deram valiosas contribuições para organizar as coleções de mineralogia e paleontologia do Museu Nacional do Rio de Janeiro, aquele que pegou fogo em 2018.
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Foi apenas a partir do Projeto RADAM, em 1975, que conseguimos sistematizar nossa geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e o uso potencial da terra. Com a estruturação da Comissão de Cartografia (Concar) integrada na Secretaria de Planejamento da Presidência da República, começava-se a sistematizar os dados do subsolo de uma forma mais efetiva, tradição que foi sucedida principalmente pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
Para as demais autoridades públicas brasileiras, no entanto, no subsolo há tudo, nada ou alguma coisa. Depende do enfoque. Para companhias de saneamento, por exemplo, há redes de água e de esgoto. Para companhias metroviárias, há estações e linhas. Para companhias de gás, há gasodutos. Para distribuidoras de energia elétrica, alguns trechos de rede de eletricidade. Para os municípios, há um enorme escuro refletido pela ausência de gestão do subsolo.
Os resultados são bem conhecidos dos brasileiros e aqui podemos citar dois exemplos recentes. 1. As obras de duplicação da rodovia PR-445, no trecho de Tamarana à Mauá da Serra, no Paraná, devem atrasar. Com custo de R$ 180 milhões, os trabalhos começariam em dezembro, mas, como o licenciamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) não foi concedido por conta do planejamento da obra não tratar corretamente vestígios de ocupação humana pré-histórica na região, tudo está paralisado. 2. O acidente nas obras da Linha 6 – Laranja do Metrô paulistano provocou o desabamento de parte da pista da Marginal Tietê, no início de fevereiro. Independentemente da causa, é possível cogitar falha no monitoramento das condições do terreno em momento de altos níveis de chuva na capital paulista.
Como conhecer melhor nosso subsolo? É imperioso retirarmos o elmo da invisibilidade e o analisarmos com muita atenção. Não se trata apenas dos recursos naturais presentes no subsolo, tutelados pelo art. 20, IX, da Constituição Federal. É sobre como compartilhá-lo para fins múltiplos, fazendo com que nossa visão não se limite a apenas uma finalidade específica e limitadora. Não existem – ou ao menos não deveriam existir – cidades inteligentes sem gestão do espaço de Hades. Precisamos urgentemente de uma legislação que viabilize um eficaz plano diretor de subsolo, sob pena de os entraves do futuro serem museus de grandes novidades.