“Uso de dados traz nova dimensão para arquitetura e urbanismo”

arquitetura e urbanismo
Tomas Alvim, do Arq.Futuro: arquitetura e urbanismo só têm a ganhar com o uso de dados georreferenciados (foto: arquivo pessoal).

Em entrevista exclusiva ao Geocracia, o editor e co-fundador do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, Tomas Alvim, diz que a inclusão dos dados referentes a geolocalização permite uma melhor compreensão do papel da espacialidade nos fenômenos urbanos por parte dos profissionais de arquitetura e urbanismo. “Isso proporciona mais assertividade na tomada de decisões, tanto na priorização quanto na formulação das políticas urbanas”, afirma Alvim.

Falando sobre inovação urbana, no entanto, Alvim é bem mais pragmático. Para ele, o Marco do Saneamento, aprovado recentemente, é a inovação fundamental no cenário urbano brasileiro. “Esse marco por si só, devidamente implantado e ajustado com o tempo, será a inovação mais importante, pois é inacreditável que ainda tenhamos 100 milhões de pessoas sem acesso a saneamento básico e 30 milhões sem acesso a água potável. É difícil discutir inovação urbana num quadro desses”, afirma.

Acompanhe, a seguir, a entrevista na íntegra.

Como o uso de grandes volumes de dados tem transformado as ações dos profissionais de arquitetura e urbanismo?

O uso de dados oferece uma nova dimensão para a arquitetura e o urbanismo, porque o volume de dados gerados e disponibilizados pelas cidades permite o acesso a uma amplitude de informações que anteriormente ficava restrita a setores especializados muito específicos. O uso de dados traz mais eficiência e assertividade para projetos arquitetônicos e para o planejamento urbano, pois viabiliza o desenvolvimento de soluções técnicas que integram diversos critérios conjuntamente e que, por sua vez, geram mais qualidade de vida para os usuários, ou seja, projetos e cidades melhores: mais produtivas, sustentáveis e inclusivas. 

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Há como buscar cidades mais justas em um ambiente de home office pós-pandêmico e descasamento entre espaço de trabalho e espaço de vivência?

Sim, há. O pós-pandemia nos obriga a revisitar conceitos e explorar alternativas no planejamento urbano, e a história está aí para nos mostrar como as cidades deram saltos de evolução importantes em situações sanitárias semelhantes. Algumas cidades do mundo, como Paris e Bogotá, aproveitaram o momento do lockdown para acelerar a implementação de programas de impacto importantes. Projetos de mobilidade ativa, polinucleariedade, áreas verdes, entre outros, foram alavancados durante esse período.

No Brasil, um dos projetos mais relevante nessa linha pós-pandemia é o do Rio de Janeiro, que implementou um estruturado programa de produção de moradia no cento da cidade, o Reviver Centro. E há ainda o simbólico caso de Brasília, que tenta rever o zoneamento da cidade com a proposta de que seja permitida a conversão de prédios corporativos da área comercial em moradia, uma vez que dezenas desses prédios foram esvaziados com o alternativa do home office. O próprio mercado imobiliário, sempre mais rápido na sua formulação, já oferece prédios com oferta de moradia, espaços comerciais e áreas de coworking integrados. 

Quais são os principais financiamentos da inovação urbana da atualidade e seus atuais modelos? As cidades têm conseguido financiar projetos de elevado impacto para a população ao mesmo tempo que aprimora o ambiente regulatório que afeta projetos urbanos?

Tivemos recentemente uma inovação fundamental nessa área, o PL 4162/2019, que criou o novo marco do saneamento básico e que já começa a produzir transformações na operação desse setor. Esse marco por si só, devidamente implantado e ajustado com o tempo, será a inovação mais importante, pois é inacreditável que ainda tenhamos no país 100 milhões de pessoas sem acesso a saneamento básico e 30 milhões sem acesso a água potável. É difícil discutir inovação urbana num quadro desses. 

Um instrumento importante que começa a ser utilizado com recorrência é o da outorga onerosa. Em geral, as capitais já incluem essa modalidade nos planos diretores como uma forma de financiamento da infraestrutura urbana. E existe ainda uma série de outros modelos, como a concessão e os contratos de performance, com elevados impactos para a sociedade. Citaria aqui o programa de limpeza do rio Pinheiros, em São Paulo, que começa a apresentar resultados consistentes no quesito de despoluição do rio. Quanto ao ambiente regulatório, esse é um capítulo à parte, pois as cidades enfrentam uma intensa judicialização dos mecanismo de inovação urbana, com a protelação sistemática na implantação dos projetos. Está faltando um alinhamento multi-institucional para que as cidades não percam as oportunidades de inovação e transformação urbana fundamentais para o seu desenvolvimento.

Como o Arq.Futuro tem se estruturado para lidar com a gestão municipal?

O Arq.Futuro está sempre aberto para o diálogo e a promoção do debate aberto e técnico sobre os desafios urbanos. A gestão municipal é um dos atores fundamentais com quem estabelecemos essa linha de ação. Além disso, aqui em São Paulo, fazemos parte do Pacto pelas Cidades Justas, que é composto de dezenas de organizações da sociedade civil com o objetivo de implantar um programa piloto de urbanismo social em três territórios de alta vulnerabilidade social. A proposta é que um modelo de governança compartilhada e efetiva que envolva sociedade civil, Prefeitura e iniciativa privada promova a convergência de políticas públicas e tenha impacto na transformação do território. Ressalva importante: sempre a partir da escuta e da pactuação com a população das áreas de intervenção, uma vez que usamos como referência a experiência de Medellin nesse tipo de iniciativa.

O Big Data, principalmente o espacial, pode ser aliado na constituição de cidades mais justas?

Sem dúvida, a inclusão dos dados referentes a geolocalização permite ter uma melhor compreensão do papel da espacialidade nos fenômenos urbanos. Isso proporciona mais assertividade na tomada de decisões, tanto na priorização quanto na formulação das políticas urbanas.


Pela sua experiência com as populações indígenas, o que as cidades podem aprender com os dados fornecidos pelos povos tradicionais?

Recentemente, no Fórum das Nações Unidas sobre Florestas, a sra. Amina Mohammed, vice secretária-geral da ONU, disse que “estamos em um momento decisivo” e acrescentou que as florestas oferecem funções vitais, inclusive como guardiãs das fontes de água doce e proteção da biodiversidade. “As florestas estão no centro das soluções que nos ajudarão a fazer as pazes com a natureza”, concluiu.

O dado fundamental para aprendermos com as populações indígenas é o de como conservar as florestas e a biodiversidade do Brasil, já que podemos afirmar que são eles os guardiões desse que, seguramente, é o nosso maior ativo estratégico de longo prazo.

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