CAR post mortem: Produtores de SP sugerem que áreas afetadas por incêndios continuem com CAR regular

Luiz Ugeda*

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) pode assumir formas diversas, muitas vezes distorcidas por falhas no sistema ou práticas fraudulentas. O CAR sobreposto, ou de beliche, ocorre quando duas ou mais propriedades compartilham a mesma área, criando disputas de posse. O CAR de grilagem virtual é usado para registrar terras ilegalmente, enquanto o CAR camuflado disfarça a degradação ambiental. O CAR fantasma refere-se a terrenos inexistentes ou sem ocupação real e o CAR de fachada ocorre quando o registro oculta práticas nocivas ao meio ambiente, mantendo apenas uma aparência de regularidade.

O “CAR post mortem” nasce (olha o paradoxo!) para manter o cadastro ambiental de uma área que já “morreu” ambientalmente após os incêndios, mas que ainda tenta parecer viva e regular no papel. É o que acontece quando os produtores rurais de São Paulo reivindicam que as propriedades com Cadastro Ambiental Rural (CAR) já regularizado não percam seu status mesmo após terem sido afetadas pelos incêndios recentes. A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) enviou uma carta ao governador Tarcísio de Freitas, pedindo que ele busque um diálogo com órgãos ambientais federais, como Ibama e ICMBio, sobre o assunto.

Além dessa solicitação, a Faesp também pediu esclarecimentos sobre como serão tratadas as áreas de preservação atingidas pelo fogo. A federação ressaltou a importância de se levar em conta não apenas o CAR, mas também as propriedades que já aderiram ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Outro ponto levantado pela entidade foi a necessidade de atualização dos dados sobre os impactos sociais, econômicos e ambientais dos incêndios ocorridos em agosto e setembro, especialmente em relação às Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reservas Legais atingidas.

Entretanto, a tese da Faesp apresenta fragilidades ao tentar manter o status de regularização do CAR para áreas afetadas pelos incêndios. A legislação ambiental vigente exige a recuperação de áreas degradadas, principalmente em zonas de preservação permanente e reservas legais. Mesmo que os incêndios tenham ocorrido de forma acidental ou criminosa, o cumprimento das normas ambientais é necessário para garantir a preservação e recuperação das áreas danificadas.

Manter o status do CAR sem um plano de recuperação poderia criar precedentes que enfraquecem a fiscalização ambiental. Isso pode comprometer o cumprimento das normas de preservação, uma vez que áreas degradadas poderiam permanecer formalmente regularizadas, sem ações concretas de restauração. Essa postura pode comprometer a credibilidade dos mecanismos de controle ambiental, incluindo o próprio Programa de Regularização Ambiental (PRA), responsável por garantir que as propriedades estejam em conformidade com as exigências legais.

Os produtores afetados pelos incêndios podem buscar responsabilizar o Estado pelos danos sofridos, desde que consigam comprovar que houve omissão ou falha do poder público na prevenção aos incêndios. Isso inclui a falta de gestão de dados sobre áreas de risco, ausência de políticas públicas de prevenção e combate a incêndios florestais, ou falhas na manutenção e monitoramento de áreas vulneráveis. Além disso, se os incêndios se originaram em áreas públicas e se alastraram para propriedades privadas por falta de gestão adequada, os proprietários podem pleitear indenização. A Constituição Federal prevê que o Estado pode ser responsabilizado de forma objetiva por danos causados a particulares em decorrência de sua ação ou omissão.

Os produtores rurais já deveriam ter aprendido que seus maiores aliados na prevenção e controle de incêndios são os satélites, os drones, a meteorologia, a estatística, a cartografia e a geografia de Estado. Em vez de apenas buscar indenizações ou subterfúgios criativos, eles poderiam pressionar o poder público a implementar soluções eficazes para o monitoramento contínuo do território, aproveitando essas tecnologias e suas previsões constitucionais. Com uma estratégia robusta de vigilância e prevenção, seria possível evitar muitos dos prejuízos que agora tentarão recuperar administrativa ou judicialmente.

*Advogado e geógrafo, sendo pós-doutor em Direito e doutor em Geografia. Fundador da Geocracia

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