Fundação IBGE precisa ser órgão de Estado, não um Centro Acadêmico

Por Assibge, Instagram.

Luiz Ugeda*

A recente substituição na diretoria da Fundação IBGE, com a saída de Elizabeth Hypolito e João Hallak Neto, diretora e diretor-adjunto de Pesquisas, revelou fragilidades na governança de um órgão estratégico para a produção de dados oficiais no Brasil. Substituídos por Gustavo Junger da Silva e Vladimir Gonçalves Miranda, também servidores do IBGE, as razões para as mudanças não foram oficialmente divulgadas. No entanto, segundo o Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística (Assibge), as renúncias estão associadas a um desgaste nas relações com o presidente do IBGE, Marcio Pochmann, e à falta de interlocução com a presidência.

Além dessas alterações, o colunista Lauro Jardim, do O Globo, informou nesta terça (14) que até o final do mês devem ocorrer novas exonerações. Ivone Batista e Patrícia Costa, diretora e diretora-adjunta de Geociências, também devem deixar seus cargos, aguardando apenas a designação oficial de seus substitutos.

Passou da hora de se discutir democraticamente a autonomia institucional do IBGE. A transformação do órgão em órgão de Estado de infraestrutura de dados estatísticos e geográficos, semelhante a modelos internacionais como a Agência Federal de Cartografia e Geodesia alemã ou o Kadaster neerlandês, poderia proteger o trabalho técnico de interferências políticas, com uma diretoria com mandato, orçamento próprio e sabatinada pelo Senado, ideais de autonomia que o atual governo já manifestou diversas vezes que não acredita.

O problema é manter o modelo atual com a governança atual, constituída em 1967 na antessala do AI-5 e que não acompanhou toda a revolução de dados atual: satélites, sensoriamento remoto, drones, geolocalização etc.. A experiência argentina recente ilustra os riscos de uma estrutura institucional frágil: em 2014, o governo de Cristina Kirchner suspendeu a medição da pobreza, citando dificuldades técnicas e estigma social (El País Brasil, 2015, 28 de março). A decisão, criticada por interesses políticos, resultou em lacunas graves na produção de dados fundamentais, comprometendo a credibilidade do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC). Em um modelo mais autônomo, protegido de ingerências, decisões heterodoxas para maquiar os números poderiam ter sido evitadas.

Estudos acadêmicos apontam a importância de instituições independentes na produção estatística. Sandefur e Glassman (2015) investigam como interesses econômicos e políticos influenciam revisões de dados. Martinez (2020) analisa manipulações em regimes autoritários e democracias frágeis, enquanto Hollyer, Rosendorff e Vreeland (2011) destacam a relação entre autoritarismo e dados ausentes. Svensson (2016) mostram que países em desenvolvimento alteram o PIB para obter ajuda externa. Frey e Stutzer (2001) apontam que a globalização econômica reduz manipulações, enquanto Huff (2010), Friedman (1953) discutem como ajustes e interpretações podem distorcer dados ou mapas (Monmonier, 2005). Estruturas institucionais robustas evitam retrocessos estatísticos, como ocorreu na Argentina que parou de contabilizar os pobres para não os estigmatizar.

A política pública estatística e geográfica brasileira ficou ainda mais pitoresca com a criação da fundação privada “IBGE+”, que aproxima a Fundação IBGE de uma universidade que estuda dados e precisa levantar fundos privados por meio de uma fundação específica (IBGE+). Ou uma fundação que criou uma fundação para exercer poderes típicos de fundação. A direção opera com a postura de um Centro Acadêmico eleito, priorizando agendas ideológicas em vez de uma gestão técnica e independente. Há ainda a expectativa de que uma minuta de política pública setorial, elaborada por um grupo político mais interessado em versões do que em fatos, seja apresentada em breve, o que evidencia ainda mais os riscos de institucionalização da ingerência no órgão.

O fortalecimento do IBGE como órgão de Estado, e pilar central da infraestrutura nacional de dados estatísticos e geográficos, é urgente (Ugeda, 2017). Se não quiserem chamar de “agência”, chamem de “autoridade” ou mesmo de “instituto”, mas que seja um órgão de Estado, com mandato da diretoria sabatinada no Senado e orçamento próprio. Propostas como a PEC n° 27/2021 e a Estratégia Federal de Governo Digital oferecem caminhos para consolidar a autonomia e a credibilidade do órgão e precisam ser revisitadas para esta finalidade. A Assibge cumpre seu papel de alertar o país para os riscos desta aventura institucional. O Brasil precisa de um choque real de gestão nos dados públicos. A Fundação IBGE não é universidade em busca de recursos por meio de Fundação paralela. Bradarmos ideologias sem critérios claros de governança que estejam respaldadas em premissas democráticas como audiências públicas, transparência decisória e análise de impacto regulatório perante nossa infraestrutura de dados estatísticos e geográficos apenas nos aproxima da gestão de dados dos regimes autocráticos.

REFERÊNCIAS

EL PAÍS. A Argentina para de contar seus pobres. 27 mar. 2015. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/27/internacional/1427490866_101379.html. Acesso em: 14 jan. 2025.

FRIEDMAN, Milton. Essays in Positive Economics. Chicago: University of Chicago Press, 1953.

FREY, Bruno S.; STUTZER, Alois. What can economists learn from happiness research? Journal of Economic Literature, v. 40, n. 2, p. 402–435, 2001. DOI: 10.1257/jel.40.2.402.

HOLLYER, James R.; ROSENDORFF, B. Peter; VREELAND, James Raymond. Democracy and transparency. The Journal of Politics, v. 73, n. 4, p. 1191–1205, 2011. DOI: 10.1017/S0022381611000880.

HUFF, Darrell. How to Lie with Statistics. New York: W. W. Norton & Company, 2010.

MARTINEZ, Luis. How much should we trust the dictator’s GDP estimates? The Quarterly Journal of Economics, v. 135, n. 2, p. 1035–1084, 2020. DOI: 10.1093/qje/qjz040.

MONMONIER, Mark. Lying with maps. Statistical Science, v. 20, n. 3, p. 215–222, 2005.

SANDEFUR, Justin; GLASSMAN, Amanda. The political economy of bad data: Evidence from African data revisions. Journal of Development Economics, v. 117, p. 177–191, 2015. DOI: 10.1016/j.jdeveco.2015.07.003.

UGEDA, Luiz. Direito administrativo geográfico: fundamentos na geografia e na cartografia oficial do Brasil. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/371219832_Direito_administrativo_geografico_fundamentos_na_geografia_e_na_cartografia_oficial_do_Brasil>. Acesso em 07 de janeiro de 2025.

*Advogado e Geógrafo. Pós-doutor em Direito (Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG) e doutor em Geografia (Universidade de Brasília, UnB). Doutorando em Direito (Universidade de Coimbra, FDUC). Ocupou funções de gestão em diversas empresas, associações e órgãos públicos do setor elétrico, do aeroportuário e de concessões de rodovias. É sócio-fundador de startups de dados para setores regulados. Autor da obra “Direito Administrativo Geográfico”.

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