Geografia do crime: por que em diferentes regiões urbanas alguns delitos prevalecem?

Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP

Fazendo um raio X do crime urbano, onde é mais provável ser vítima dele? A questão de segurança pública pode ser encarada a partir da geografia da cidade, cruzando características espaciais com a ocorrência de crimes. Segundo um estudo realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, o roubo a transeuntes (roubo sob ameaça a pedestres) acontece em áreas que geralmente tem ao menos uma de duas características: alta taxa de homicídios ou proximidade com avenidas, ruas principais e comércio. Outros crimes, como os homicídios, tendem a ocorrer em regiões específicas e afastadas. Já o contrário se observa com o furto, o qual se concentra mais no centro. Rafael Ramos, pesquisador do NEV e um dos autores do estudo, aborda essas questões e variáveis de uma forma mais aprofundada.

De acordo com dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), o Estado contabilizou 228 mil roubos em 2023. Tratando-se especificamente dos roubos a transeuntes, o estudo no NEV concluiu que esse tipo de crime tem dois direcionamentos que moldam sua geografia. O próprio pesquisador conclui: “Primeiro e principalmente, acessibilidade e fluxo populacional revelaram uma associação positiva com taxas de roubo nas ruas, conforme evidenciado pela proximidade das principais rodovias, densidade populacional, ambiental e pavimentação de ruas”.

O segundo fator foi mais curioso: a área de muitos roubos se sobrepunha a áreas de muitos homicídios. Segundo Rafael Ramos comenta, isso não é nem um pouco óbvio, pois crimes diferentes não necessariamente seguem uma mesma lógica geográfica. Ambos os fatores atuam entre si, “moldando e distorcendo” a geografia entre áreas de crimes violentos e de muito movimento de pessoas, como áreas comerciais e perto de avenidas.

Onde isso se traduz nas cidades?

O especialista fala em um plot twist, uma quebra de expectativa, para traduzir que, na verdade, “são poucos os lugares onde essa sobreposição acontece”. Ou seja, regiões de muitos homicídios geralmente não são de comércio, nem de passagem de pessoas. “Falando bem genericamente, os homicídios estão em regiões mais periféricas e os grandes eixos [de movimentação de pessoas], até por definição, são regiões centrais”, explica ele.

Em geral, nas cidades existem poucos lugares onde esses dois fatores se sobrepõem. Mas, no caso da cidade de São Paulo, tem um bem importante: o centro. “Ainda mais a região da Sé, da República, onde se tem uma região muito central. É uma região com vários problemas sociais, inclusive altas taxas de homicídios, e também ali há uma grande concentração de roubos a transeunte”, diz ele.

Além do centro, algumas regiões da zona leste apareceram como epicentro de roubos. Por ter problemas sociais demarcados e ao mesmo tempo ser uma via de acesso de muitas regiões periféricas para o centro, lá também há essa rara sobreposição de uma região de alta taxa de homicídio com uma área de muita passagem de pessoas, transporte e comércio.

Furtos

Já na questão dos furtos, um dos crimes mais comuns, a geografia segue outras regras. Também segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, o Estado registrou 576 mil crimes do tipo em 2023, mais que o dobro dos roubos. Mas este, por sua vez, tende a se concentrar especificamente no centro ou no seu ligeiro entorno.

“Onde tem muito Metrô, onde tem muita gente. Não necessariamente vai ser em locais onde têm muitos homicídios, que, em alguns casos, são áreas de menores fluxos”, resume o pesquisador. Na cidade de São Paulo, de acordo com dados da SSP-SP, os três bairros que mais tiveram roubos e furtos em 2023 foram República, Consolação e Bela Vista. Pinheiros, região de muito movimento e de alta renda, fica em quarto lugar.

Outros crimes

Sobre os crimes contra a vida, a concentração costuma ser em regiões afastadas, em periferias mais pobres e com menos infraestrutura. Mas Rafael Ramos ressalta que afirmar o que causa o quê nessa história é complexo: não dá para dizer nem que é pobre porque é perigoso, nem que é perigoso porque é pobre. A exceção ao caso fica sendo o centro de São Paulo, que, apesar de não ser periférico, concentra problemas sociais e de infraestrutura.

Na capital, a questão dos homicídios está mais controlada, ocorrendo quatro vezes para cada 100 mil habitantes, segundo dados da SSP-SP; já no início do século, as taxas eram de 51,7, cerca de 13 vezes mais do que atualmente. As razões para isso são controversas, mas a disputa pelo controle de regiões de tráfico de drogas é frequentemente apontada como um fator relevante para que as taxas aumentem.

Já assaltos a domicílios são um dos poucos crimes que fogem à regra. Enquanto a maioria dos crimes parece evitar áreas residenciais, em especial aquelas de relativa boa renda, estas são justamente as regiões em que o roubo a casas parece ocupar. O estudo que conclui isso foi feito em Belo Horizonte e Campinas, mas, de acordo com Rafael Ramos, pode indicar uma tendência para as demais cidades. Ele diz que isso parece estar ligado a uma maximização do lucro, uma vez que é uma operação com maiores riscos. Segundo levantamento do jornal Metrópoles, as três regiões com maior incidência de roubos domiciliares em 2023 foram Morumbi, Pinheiros e Vila Clementino, todos bairros relativamente residenciais e de bom padrão econômico.

Para acessar o estudo, clique aqui.

Por Jornal da USP

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