Em um momento em que eventos climáticos extremos se tornam cada vez mais frequentes e severos, a União Africana oficializou o lançamento da Agência Espacial Africana (AfSA), com sede no Cairo. A nova instituição terá como missão central integrar os programas espaciais dos 55 países-membros, promovendo a coleta, análise e compartilhamento de dados meteorológicos, climáticos e ambientais. A iniciativa representa um esforço coordenado para enfrentar os desafios impostos pela crise climática com base em evidências científicas e tecnologias de observação da Terra.
Historicamente, os programas espaciais no continente africano funcionaram de forma isolada, sem mecanismos claros de cooperação. A criação da AfSA visa romper com essa lógica fragmentada e construir uma estrutura de governança capaz de democratizar o acesso aos dados espaciais e climáticos. Segundo Meshack Kinyua, engenheiro espacial e especialista em políticas públicas africanas, a agência permitirá aos países acessar as informações conforme suas necessidades e capacidades técnicas. “Antes, as iniciativas estavam dispersas. Agora, teremos uma estrutura que garante acesso equitativo aos dados para todos os países membros”, afirma.
Entre os projetos prioritários da AfSA está a ampliação dos sistemas de alerta precoce, fundamentais para prevenir tragédias em comunidades vulneráveis, como pescadores e agricultores expostos a riscos climáticos. A agência já firmou parceria com a Agência Espacial Europeia (ESA) para capacitação técnica, transferência de tecnologia e apoio à construção de satélites. Um projeto-piloto em Samarcanda, no Uzbequistão, servirá de inspiração para modelagens urbanas em 3D e cadastros de infraestrutura que poderão ser replicados em cidades africanas.
A necessidade é urgente: o continente africano enfrenta atualmente secas severas, com destaque para regiões do Marrocos e Argélia, que sofreram perdas agrícolas significativas. A previsão para o Leste Africano aponta chuvas abaixo da média até o fim de maio, agravando a insegurança alimentar e a pressão sobre os recursos hídricos. De acordo com o Observatório Global de Secas Copernicus, as consequências atingem diretamente a economia, a saúde pública e a estabilidade social em diversos países.
O cenário internacional também impõe desafios adicionais. Com o desmonte de programas de apoio à África durante o governo Trump, como o Servir — parceria entre a NASA e a Usaid —, a AfSA passa a depender majoritariamente de recursos da própria União Africana. Mesmo com orçamento limitado, a agência se apoia na experiência acumulada de países como Egito, Nigéria e África do Sul, que já operam seus próprios satélites. Para Danielle Wood, professora do MIT, a AfSA poderá se tornar um modelo inédito de agência espacial regional com foco na resiliência climática. “Enquanto outras potências olham para fora, a África pode olhar para si com mais estratégia e cooperação.”
Com informações da Exame

