Luiz Ugeda*
A instituição da Comissão Nacional de Geoinformação (CONGEO) pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, por meio da Portaria GM/MPO nº 32, de 14 de março de 2025, marca um movimento que honra quem tem saudades da antiga Comissão Nacional de Cartografia (Concar). A nova estrutura pretende consolidar a governança da geoinformação no Brasil, articulando diferentes órgãos e promovendo diretrizes comuns. Com a pujança tecnológica dos dias atuais, é inevitável questionar se trará avanços reais ou se apenas reaviva um modelo já desgastado.
Se dados são o novo petróleo, a geoinformação é a nova eletricidade, pois praticamente tudo se conecta a ela nos dias atuais. Desde que a geoinformação deixou de ser produto e passou a ser serviço, os grandes dilemas deixaram de ser estritamente tecnológicos para serem eminentemente metodológicos, com a questão da governança ao centro. E a CONGEO já nasce sob antigos dilemas de governança para enfrentar desafios novos. Certamente o principal dilema é o fato de não ter personalidade jurídica, ou seja, no limite é um colegiado que congrega dezenas de entidades sem poder de decisão isoladamente sobre o tema.
Internacionalmente, a governança da geoinformação tem avançado com modelos mais descentralizados e juridicamente robustos, como o United States National Spatial Data Infrastructure (NSDI) e a European Spatial Data Infrastructure (ESDI), que contam com marcos regulatórios claros e mecanismos de financiamento estáveis. Enquanto esses países e comunidades estruturam suas infraestruturas geoespaciais com suporte legal e institucional, garantindo interoperabilidade e gestão integrada, o Brasil mantém uma abordagem fragmentada e de caráter apenas consultivo. A ausência de um arcabouço jurídico sólido e de autonomia administrativa coloca a CONGEO em desvantagem, afastando o país das melhores práticas internacionais e dificultando a implementação efetiva de políticas geoespaciais estratégicas.
Há desafios evidentes. A estrutura prevista na portaria sugere um processo decisório potencialmente moroso, com votações formais, encontros semestrais e a criação de comitês temáticos temporários. Se por um lado esse modelo permite a participação de diferentes atores, por outro, pode engessar as discussões e reduzir a agilidade na implementação das políticas. Ademais, a falta de um orçamento próprio para execução das diretrizes da CONGEO pode limitar sua atuação a uma função meramente consultiva, sem impacto real na gestão dos geodados.
O sucesso da iniciativa dependerá das lideranças que serão investidas de sua viabilização e da capacidade da comissão de ir além dos discursos e garantir efetiva coordenação entre os diferentes atores envolvidos. Se conseguir superar as barreiras burocráticas e atuar de forma pragmática, poderá finalmente concretizar uma governança eficiente da geoinformação. Caso contrário, pode se tornar apenas mais uma instância deliberativa sem efeitos reais, repetindo a história de sua antecessora.
A pergunta que não se cala é por que recriamos um modelo concebido em 1967, para trabalhar a geoinformação enquanto produto, para enfrentar os desafios decorrentes da inteligência artificial nos dados geoinformacionais, que impõe uma governança para tratar a geoinformação na qualidade de serviço?
Essa situação apenas reforçará a falta de liderança geográfica do país ao não ter uma personalidade jurídica clara, uma casa para chamar de sua. Enquanto isso, o mundo avança para infraestruturas que não apenas armazenam e disponibilizam dados espaciais, mas que integram tecnologias de machine learning, big data e serviços geoespaciais inteligentes. Sem uma estrutura institucional com capacidade decisória e autonomia, o Brasil corre o risco de permanecer refém de decisões fragmentadas, perdendo competitividade global e comprometendo a soberania digital sobre seus próprios dados territoriais. O futuro da geoinformação não se constrói com modelos do passado, mas sim com estratégias alinhadas à nova realidade digital, algo que a CONGEO, em sua atual configuração, dificilmente conseguirá oferecer.
Para ler a Portaria, clique aqui.
* Advogado e Geógrafo. Pós-doutor em Direito (Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG) e doutor em Geografia (Universidade de Brasília, UnB). Doutorando em Direito (Universidade de Coimbra, FDUC). Ocupou funções de gestão em diversas empresas, associações e órgãos públicos do setor elétrico, do aeroportuário e de concessões de rodovias. É fundador de startups de dados para setores regulados. Autor da obra “Direito Administrativo Geográfico”.