Luiz Ugeda*
O cenário internacional impõe novos desafios ao agronegócio brasileiro em 2025. Uma possível vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas traz consigo a perspectiva de políticas comerciais protecionistas, barreiras tarifárias e uma provável saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Essas mudanças poderiam impactar diretamente a dinâmica do mercado global de commodities, afetando a exportação brasileira e aumentando a pressão sobre práticas ambientais e políticas ESG.
Com os Estados Unidos potencialmente fora do Acordo de Paris, a governança global climática enfrentaria um retrocesso significativo. O Brasil, como um dos maiores exportadores de commodities agrícolas, poderia ser pressionado por outros mercados para adotar padrões ambientais mais rígidos. Dados precisos provenientes de sistemas como o Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR) se tornam ainda mais valiosos para comprovar práticas sustentáveis e assegurar a conformidade com exigências internacionais.
Outro fator que interfere nas exportações brasileiras é o impasse com a União Europeia na aprovação do acordo Mercosul-UE. A França tem levantado questionamentos sobre as práticas ambientais do Brasil, especialmente no que diz respeito ao desmatamento da Amazônia e ao uso de pesticidas considerados inadequados pelos padrões europeus. Essas preocupações têm dificultado o avanço do tratado, criando um cenário de incerteza para os produtores brasileiros.
A capacidade de apresentar dados consistentes, provenientes de sistemas como SIGEF e CAR, pode ser um diferencial para o Brasil responder às exigências americanas e francesas e avançar nas negociações. Informações claras sobre práticas agrícolas sustentáveis e preservação ambiental poderiam reduzir as barreiras impostas pelos países europeus.
A gestão de dados no Brasil terá um ano bastante desafiador, especialmente no que se refere à governança, interoperabilidade e qualidade das informações geoespaciais. Sistemas como SIGEF e CAR representam marcos na tentativa de estruturar informações territoriais para o desenvolvimento sustentável, segurança jurídica e ordenamento territorial. No entanto, esses sistemas ainda enfrentam limitações que restringem seu funcionamento pleno e integração efetiva.
O SIGEF foi criado para modernizar e centralizar as informações fundiárias do país, oferecendo uma base de dados georreferenciados sobre propriedades rurais. Já o CAR, instituído pelo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), tem como principal objetivo registrar as áreas de preservação permanente, reservas legais e demais áreas protegidas nas propriedades rurais. Ambos desempenham funções complementares na governança fundiária e ambiental, mas enfrentam limitações estruturais e operacionais.
A falta de integração entre os sistemas SIGEF e CAR é um dos principais obstáculos na gestão desses dados. Embora sejam complementares, suas bases nem sempre dialogam de maneira eficiente. A ausência de padronização nos formatos e métodos de coleta e atualização das informações prejudica a conexão com outros sistemas relacionados, como o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR) e as plataformas estaduais de regularização fundiária.
Outro desafio significativo está relacionado à qualidade das informações armazenadas. Muitos registros no CAR apresentam inconsistências, como sobreposição de áreas, imprecisão nos limites das propriedades e dados desatualizados. A validação dessas informações demanda tempo, recursos humanos capacitados e infraestrutura tecnológica adequada.
A transparência também se apresenta como um desafio recorrente. Apesar dos avanços trazidos pela Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), nem sempre os dados provenientes do SIGEF e do CAR estão disponíveis de maneira clara e acessível para pesquisadores, gestores públicos e sociedade civil. Essa falta de clareza dificulta análises mais precisas e o monitoramento adequado das políticas públicas.
Investir na capacitação técnica é uma estratégia indispensável para enfrentar esse cenário. Profissionais preparados para lidar com tecnologias de gestão de dados geoespaciais são necessários para alimentar, atualizar e interpretar adequadamente as bases de dados. Essa qualificação também contribui para maior agilidade na tomada de decisões estratégicas.
Políticas públicas alinhadas a padrões globais, com mecanismos robustos de fiscalização e interoperabilidade entre sistemas, têm potencial para minimizar riscos associados às mudanças no comércio global. A criação de protocolos padronizados e o uso de tecnologias modernas são passos fundamentais nesse processo.
A colaboração entre sociedade civil, academia e instituições governamentais também contribui para buscar soluções para os desafios apresentados. A participação ativa desses setores pode reforçar a transparência, melhorar o monitoramento e impulsionar ajustes necessários nos sistemas existentes.
Enfrentar os desafios relacionados à gestão de dados no Brasil exige uma ação coordenada, especialmente diante de um cenário internacional marcado por incertezas políticas e econômicas. SIGEF e CAR, quando bem utilizados, têm potencial para fortalecer a governança territorial e ambiental do país, consolidando sua posição como um fornecedor confiável de commodities no mercado global.
Luiz Ugeda
Advogado e Geógrafo. Pós-doutor em Direito (Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG) e doutor em Geografia (Universidade de Brasília, UnB). Doutorando em Direito (Universidade de Coimbra, FDUC). É pesquisador do CPTEn – Centro Paulista de Estudos da Transição Energética da Unicamp. Ocupou funções de gestão em diversas empresas, associações e órgãos públicos do setor elétrico, do aeroportuário e de concessões de rodovias. É sócio-fundador de startups de dados para setores regulados, incluindo a Geodireito, a Geocracia e a JusMapp. Autor da obra “Direito Administrativo Geográfico”.