Gestão de dados abertos sem segurança jurídica: o risco invisível para mercados estratégicos

Luiz Ugeda*

A gestão de dados abertos sem uma base jurídica sólida é um desafio que afeta setores estratégicos como agronegócio, mineração, reflorestamento, bancos e seguradoras. Embora a disponibilização de dados públicos seja uma promessa de maior transparência e eficiência, a falta de segurança jurídica em torno desses dados cria um cenário de incertezas que pode comprometer a operação de empresas, a formulação de políticas públicas e a tomada de decisões estratégicas.

No agronegócio, por exemplo, a dependência de dados sobre uso do solo, regularização fundiária e recursos hídricos é crítica para a conformidade legal e o planejamento de safras. No entanto, quando esses dados são imprecisos, desatualizados ou contraditórios, os produtores enfrentam riscos que vão desde a interrupção de operações até disputas legais sobre posse de terra ou exploração de recursos. Além disso, mercados internacionais que exigem rastreabilidade de produtos agrícolas demandam informações claras e seguras, algo difícil de oferecer em um ambiente de dados fragmentados e juridicamente frágeis.

O setor mineral enfrenta um dilema semelhante. O acesso a dados sobre concessões, reservas ambientais e impactos sociais é essencial para licenciar e operar projetos. No entanto, quando esses dados carecem de suporte jurídico claro, as empresas ficam vulneráveis a disputas regulatórias e judiciais. Projetos de mineração podem ser paralisados devido a informações conflitantes entre diferentes fontes de dados públicos, causando prejuízos financeiros e danos reputacionais.

Bancos e seguradoras, por sua vez, são altamente dependentes de dados para análise de risco, especialmente em setores como o agronegócio e a mineração. A falta de segurança jurídica em torno dos dados abertos compromete a qualidade da due diligence, aumentando a exposição a riscos financeiros e danos à reputação. Em um mercado que exige alinhamento com práticas ESG, a ausência de dados confiáveis e juridicamente válidos pode afastar investidores e reduzir a competitividade.

Outro problema crítico é a fragmentação e a baixa interoperabilidade dos sistemas que gerenciam esses dados. No Brasil, informações sobre terras, água, licenciamento ambiental e outros recursos estão distribuídas entre diferentes órgãos e plataformas, frequentemente sem padronização ou atualização. Essa desordem gera ineficiência e incerteza, colocando empresas e governos em uma posição de fragilidade frente a possíveis litígios ou auditorias.

A falta de segurança jurídica também impacta diretamente a credibilidade do país no cenário internacional. Empresas estrangeiras que dependem de dados abertos para avaliar oportunidades de investimento em setores como agronegócio, energia e infraestrutura enfrentam dificuldades para acessar informações confiáveis. Isso cria barreiras para novos investimentos e coloca em risco a competitividade de mercados inteiros em um contexto global cada vez mais exigente.

O problema se agrava quando consideramos os impactos sociais. Comunidades rurais, pequenos agricultores e populações tradicionais muitas vezes dependem de dados abertos para reivindicar direitos sobre terras, recursos hídricos e compensações ambientais. Sem uma estrutura jurídica clara para gerenciar e validar esses dados, essas populações ficam vulneráveis a injustiças e à exclusão de processos decisórios.

A gestão de dados abertos sem segurança jurídica é, portanto, um problema sistêmico que afeta a competitividade econômica, a eficiência administrativa e a justiça social. Sem ações coordenadas para garantir a integridade, acessibilidade e legitimidade desses dados, organizações correm o risco de enfrentar incertezas e prejuízos evitáveis. Você entende se, na sua organização, os dados abertos estão sendo geridos de forma a proteger a empresa e os seus interesses? Convido a esta reflexão junto aos seus colaboradores.

*Advogado e Geógrafo. Pós-doutor em Direito (Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG) e doutor em Geografia (Universidade de Brasília, UnB). Doutorando em Direito (Universidade de Coimbra, FDUC). Ocupou funções de gestão em diversas empresas, associações e órgãos públicos do setor elétrico, do aeroportuário e de concessões de rodovias. É sócio-fundador de startups de dados para setores regulados. Autor da obra “Direito Administrativo Geográfico”.

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