Pedro Szajnferber de Franco Carneiro e Luiz Ugeda escreveram no Le Monde Diplomatique que, no mercado de créditos de carbono, não adianta se preocupar com as peças do xadrez se não se conhece as regras do tabuleiro. Apesar dos avanços tecnológicos que permitem medir com precisão a captura de CO₂ por florestas e áreas de conservação, a ausência de clareza sobre a titularidade da terra mina a viabilidade jurídica desses projetos. Sem um arcabouço fundiário sólido, cada crédito emitido corre o risco de ser juridicamente questionado — e, portanto, desvalorizado.
Essa insegurança fundiária, embora antiga, revela-se particularmente crítica no contexto dos mercados ambientais. Desde o século XIX, juristas como Rui Barbosa já alertavam para a necessidade de um sistema de registros claro e confiável como pré-requisito para o desenvolvimento de um mercado imobiliário robusto. Hoje, o mercado de carbono enfrenta desafio similar: os sofisticados sensores e modelos matemáticos que estimam o sequestro de carbono pouco podem fazer diante de títulos de terra sobrepostos, registros imprecisos e a ausência de um sistema nacional coeso de governança fundiária.
A situação é especialmente delicada em regiões como a Amazônia Legal. A sobreposição de registros no INCRA, CARs inconsistentes e a existência de áreas sem qualquer regularização fundiária criam um cenário de alto risco para investidores. Projetos de créditos de carbono certificados em áreas litigiosas podem ser judicialmente invalidados, comprometendo não apenas seu valor, mas também a imagem de quem os comercializa. O caso emblemático da Operação Greenwashing, que expôs um esquema de grilagem envolvendo meio milhão de hectares no Amazonas, ilustra bem essa vulnerabilidade: terras públicas foram indevidamente apropriadas para gerar créditos, cuja venda movimentou mais de R$ 100 milhões.
Mesmo quando não há má-fé, o desconhecimento técnico e jurídico pode levar à emissão de créditos frágeis. No Pará, empresas operaram projetos de REDD+ sobrepostos a territórios de assentamentos agroextrativistas sem o consentimento das comunidades locais. Os assentados foram levados a crer que o Cadastro Ambiental Rural equivaleria ao título de propriedade — um equívoco comum, mas de graves consequências legais. Além de invalidar os créditos, situações assim geram conflitos com populações tradicionais e ampliam a desconfiança sobre a integridade socioambiental dos projetos.
Para que o mercado de carbono cumpra sua função na mitigação das mudanças climáticas, é urgente superar esse paradoxo: temos tecnologia para medir o carbono no nível molecular, mas seguimos sem resolver quem tem o direito legal de vendê-lo. Sem segurança fundiária, os riscos jurídicos afastam investidores e comprometem a credibilidade do sistema como um todo. A digitalização de registros e a interoperabilidade entre cadastros são parte da solução, mas precisam vir acompanhadas de reformas estruturais que atribuam validade definitiva aos títulos de terra. Sem essa base jurídica, o mercado de carbono continuará sendo mais uma promessa do que uma política ambiental eficaz.
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