Casa Fluminense, Luize Sampaio e Lorrayne Honorato escreveram, em O Eco, que a favela do Acari, na Zona Norte do Rio, representa o retrato mais trágico da crise climática nas periferias brasileiras: as enchentes que arrastam lares, memórias e vidas inteiras. Nas chuvas de 2024, 13 pessoas morreram na Região Metropolitana do Rio e mais de 20 mil moradores de Acari ficaram sem casa. Relembrar esses eventos não é apenas um exercício de luto — é o ponto de partida para discutir a precariedade dos dados sobre os territórios mais vulneráveis. Afinal, como formular políticas públicas eficazes se não sabemos, com precisão, quem vive onde, sob quais riscos e em quais condições?
A ausência de dados qualificados é um dos principais entraves enfrentados por iniciativas como a Casa Fluminense, que atua com monitoramento cidadão e justiça climática. A produção de mapeamentos próprios, como o que identificou lares em áreas de risco após as chuvas de janeiro de 2024, revela o potencial das comunidades organizadas. A ferramenta, elaborada com informações públicas, poderia ser integrada às ações do poder público. Mas falta vontade política — e, muitas vezes, dados básicos sobre cor, gênero, renda e estrutura familiar dos moradores. A negligência não é neutra: ela invisibiliza justamente os mais afetados pelas catástrofes.
Essa invisibilidade é agravada quando se busca cruzar variáveis como raça, classe, gênero e território. Como garantir atenção básica à população trans, por exemplo, se sequer é possível localizá-la nas bases de dados? Diante disso, surgem iniciativas como a plataforma Cobradô, lançada em junho, que organiza dados da Agenda Rio 2030 de forma interativa e acessível. Mesmo com pedidos via Lei de Acesso à Informação e metodologia de Geração Cidadã de Dados, a equipe enfrentou obstáculos para responder a perguntas simples, como o número de escolas em ilhas de calor ou quantas casas estão em áreas sujeitas a deslizamentos.
O cenário revela um abismo institucional: apenas 3 dos 22 municípios da Região Metropolitana do Rio contam com institutos de pesquisa e planejamento — órgãos cruciais para orientar decisões públicas. Sem esses dados, não há como formular planos eficazes de adaptação climática nem garantir a justiça ambiental. A falta de mapeamentos detalhados das áreas mais impactadas, assim como a ausência de informações sobre quem são seus moradores, inviabiliza respostas rápidas e coerentes frente à emergência climática que já atinge o cotidiano das favelas.
Segundo projeções do Cobradô, se nada for feito, o nível de transparência nos municípios da região deve crescer apenas 7% até 2030. Nesse ritmo, a crise dos dados seguirá alimentando a crise climática. Mais do que indicadores, o que está em jogo é o acesso a direitos básicos. A ausência de dados não é uma falha técnica — é uma escolha política. E como mostram as autoras, cabe a nós perguntar: o que mais está sendo nos negado quando os dados não existem?
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