O Poder Judiciário brasileiro tem intensificado o uso de plataformas digitais para localizar devedores e tornar mais eficaz a fase de execução de processos. Empresas como Uber, iFood, Mercado Livre e Amazon passaram a ser acionadas judicialmente para fornecer informações que possam indicar a localização e os bens de devedores. Essa prática surge como resposta às novas estratégias adotadas pelos inadimplentes, que usam carteiras digitais, criptomoedas e serviços sem endereço fixo para dificultar o rastreamento patrimonial e a própria citação válida, elemento indispensável para a continuidade da execução judicial.
O problema da baixa recuperação de créditos no Brasil é crítico: segundo o Banco Mundial, o país recupera apenas 18,20 centavos para cada dólar cobrado em juízo, desempenho inferior à média mundial de 36,90 centavos. A dificuldade em localizar ativos e devedores reflete a necessidade de novas abordagens. Nesse contexto, as plataformas de transporte e entrega, como Uber e iFood, tornaram-se fontes valiosas, pois armazenam dados atualizados de localização, histórico de ganhos e métodos de pagamento dos usuários — informações muitas vezes inexistentes em bancos de dados oficiais.
O Poder Judiciário tem validado, através da jurisprudência de tribunais como o TJSP e o TJDFT, o uso de medidas atípicas para acessar essas informações, desde que esgotados os meios tradicionais. Essa prática é respaldada pelo entendimento do STJ no Tema 1.137, que admite a obtenção de dados diretamente de empresas privadas, desde que respeitados os limites da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A inovação jurídica, portanto, busca equilibrar o direito à privacidade com a necessidade de efetividade na execução de sentenças.
Embora ferramentas como o Sisbajud e o Infojud sejam amplamente utilizadas para rastrear ativos, elas não conseguem abranger todas as modalidades financeiras existentes, como títulos de capitalização e previdência privada. Além disso, a movimentação em fintechs ou empresas em recuperação judicial foge, muitas vezes, dos sistemas tradicionais. Assim, o recurso a empresas digitais amplia o alcance investigativo do Judiciário, permitindo a identificação de bens e endereços de maneira mais eficiente e alinhada com a realidade tecnológica atual.
Outras estratégias também têm sido autorizadas pelos tribunais, como a suspensão de perfis em redes sociais como meio de coerção. Uma decisão recente em Goiás, por exemplo, determinou a suspensão da conta de uma loja no Instagram com quase 30 mil seguidores para forçar o pagamento de uma dívida. Esse tipo de medida mostra como o avanço da tecnologia exige soluções jurídicas cada vez mais criativas, reforçando a adaptação do Judiciário à nova configuração dos ativos e da vida social dos devedores no ambiente digital.