Corrida espacial na África busca independência tecnológica e geopolítica

Nas últimas décadas, os países africanos têm buscado uma nova fronteira tecnológica: a exploração espacial. O setor, que antes parecia distante da realidade de muitos países no continente, agora desperta interesse devido ao seu potencial para atender a demandas em áreas como agricultura, segurança e prevenção de desastres naturais. A Costa do Marfim, por exemplo, anunciou a criação de sua própria agência espacial e a construção de um nanossatélite com previsão de lançamento ainda em 2024. Enquanto isso, o Quênia já colocou seu primeiro satélite funcional em órbita, em parceria com a empresa SpaceX, demonstrando o avanço e o interesse africano nessa área.

Os países africanos que estão ingressando no setor espacial seguem os passos de pioneiros como África do Sul, Nigéria, Argélia e Egito. Este último, aliás, lançou o primeiro satélite africano em 1998 e abriga hoje a sede da Agência Espacial Africana, localizada no Cairo. Criada pela União Africana (UA) em 2018, a agência promove a coordenação entre os países membros para consolidar uma infraestrutura espacial no continente. Segundo o coordenador da UA, Tidiane Ouattara, ao menos 15 países africanos possuem agências espaciais ativas.

Desde 2016, os países africanos lançaram 41 satélites, em sua maioria desenvolvidos em cooperação com potências estrangeiras que também proporcionaram os meios de lançamento. Apenas nove desses satélites foram projetados e construídos em solo africano, o que demonstra as limitações técnicas e financeiras que o continente ainda enfrenta. No entanto, a diminuição dos custos de produção e lançamento de satélites, motivada pela miniaturização e redução de componentes, abriu novas possibilidades para universidades e centros de pesquisa africanos.

Para os especialistas, uma das áreas prioritárias para o desenvolvimento espacial africano é a observação da Terra. Satélites capazes de monitorar a cobertura de nuvens, a precipitação e as condições climáticas extremas são cruciais para a agricultura e para enfrentar desafios associados às mudanças climáticas. Mamadou Sarr, diretor da Organização Regional Africana de Comunicações por Satélite, destaca que esses dados são valiosos para a agricultura e para a segurança, como o monitoramento de atividades pesqueiras e a detecção de movimentos de grupos violentos em regiões instáveis do continente.

Outro setor em que o espaço pode fazer a diferença é o de telecomunicações. A África, que em grande parte pulou a etapa das redes de cobre e adotou diretamente a tecnologia de satélite e as redes móveis, vê nos satélites uma solução para ampliar a conectividade em áreas remotas. O recente lançamento do primeiro satélite do Senegal, o GaindeSAT-1A, é um exemplo disso, com o objetivo de promover a observação terrestre e melhorar as telecomunicações.

Contudo, a dependência de tecnologia estrangeira e de instalações fora do continente para o lançamento dos satélites permanece uma questão. O Senegal, por exemplo, contou com a colaboração de uma universidade francesa para construir o GaindeSAT-1A, que foi lançado nos Estados Unidos. Temidayo Oniosun, diretor da consultoria Space in Africa, observa que muitos países africanos ainda enviam seus engenheiros ao exterior para treinamento, mas que, ao retornarem, enfrentam a ausência de infraestrutura adequada para desenvolver suas habilidades.

A exploração espacial africana também se tornou uma arena de disputas geopolíticas. Tanto os Estados Unidos quanto a China mostram interesse estratégico em apoiar projetos espaciais no continente, uma iniciativa que reforça laços diplomáticos e fortalece a influência internacional de ambas as potências. Para Julie Klinger, da Universidade de Delaware, essa crescente participação exige atualizações nos tratados globais de cooperação espacial, para garantir que a expansão da atividade espacial africana aconteça de forma pacífica e sustentável.

Afinal, a localização geográfica do continente africano oferece vantagens para lançamentos espaciais. Lançamentos próximos à linha do Equador, como poderia ocorrer a partir de bases em países como o Quênia, demandam menos combustível, o que representa um potencial econômico significativo para futuras operações. O Centro Espacial Luigi Broglio, instalado por italianos na costa do Quênia, é um exemplo de infraestrutura que pode ser reativada, tendo sido desativado desde a década de 1980.

À medida que mais países africanos avançam no setor espacial, o continente começa a vislumbrar um futuro promissor no campo da tecnologia e inovação. Segundo Oniosun, cerca de 80 satélites estão em desenvolvimento no continente, o que indica o aumento da participação africana em um setor estratégico e aponta para um cenário onde o continente poderá, eventualmente, alcançar maior independência e protagonismo na exploração espacial.

Com informações da BBC e do Le Figaro

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