Edmilson Volpi*
Tendo começado a colecionar mapas nos anos 1980, o advogado americano P. J. Mode percebeu, depois de algum tempo, que era particularmente interessado naqueles com a “intenção de enviar ou reforçar uma mensagem, em vez de oferecer informações geográficas objetivas”. Sua coleção de 800 documentos acabou doada para a Universidade Cornell, nos Estados Unidos. Hoje, a coletânea Cartografia Persuasiva pode ser consultada não apenas na biblioteca, mas também pela web, como mostra James Rubio Hancock em reportagem para o El País.
Normalmente, nenhum mapa fornece uma visão inteiramente objetiva da realidade. Mesmo aqueles que pretendem passar informações geográficas, como a projeção de Mercator (foto abaixo), que distorce o tamanho dos países à medida que se afasta do equador, e era muito útil para a navegação, pois mantém as rotas marítimas em linhas retas.
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Mesmo assim, um mapa, como um gráfico ou uma fotografia, muitas vezes dá uma imagem de objetividade que tem sido usada para transmitir mensagens de propaganda. Na coleção de P. J. Mode, há exemplos de mapas usados em guerras, para defender o nacionalismo e o imperialismo, para a sátira, publicidade e passar ideias não muito agradáveis, como mostram os 11 exemplos a seguir.
1. O polvo russo
O “mapa sério-cômico da Guerra do ano de 1877” (no topo da página) é obra do britânico Frederick W. Rose. Nele, a Rússia aparece como um polvo gigante que ameaça o resto dos países da Europa. Ele foi publicado dois meses após o ataque da Rússia ao Império Otomano, em resposta ao massacre turco de cristãos búlgaros (mostrado como uma caveira no mapa).
No mapa do polvo, há vários estereótipos: a Alemanha do Kaiser, a Inglaterra como um empresário e suas colônias debaixo do braço, a Espanha dormindo e Portugal como uma criança – imagens comuns nesse tipo de mapa.
2. Portugal não é tão pequeno
Portugal e, muitas vezes, visto como um país pequeno e pacífico. Mas, em alguns momentos de sua história, o país mostrou o desejo de se afirmar. Em 1934, por exemplo, ele queria mostrar que era maior do que se poderia pensar. O mapa acima, de Henrique Galvão, pretendia enaltecer a política imperialista do ditador Antonio de Oliveira Salazar sobrepondo os territórios das colônias portuguesas sobre um mapa da Europa.
3. Um mapa geral dos Domínios Britânicos
Embora seja um exemplo de imperialismo, este mapa de 1868 mostra as possessões do Império Britânico, “aumentando seu tamanho aparente, com 450 graus de longitude e Austrália e Nova Zelândia exibidas duas vezes”.
4. O que a Alemanha quer
Segundo o próprio P. J. Mode em artigo publicado na revista da Washington Cartographic Society, a guerra é um dos temas mais comuns nesses mapas, que procuram desmoralizar o inimigo e expor a justiça da causa do conflito. A Primeira Guerra Mundial viu um período de progresso na cartografia, que levou os países a “competir na produção de mapas persuasivos”, muitas vezes “por meio de agências estatais de propaganda recém-fundadas”.
Um exemplo é este mapa britânico de 1917 (acima) sobre “o que a Alemanha quer”, ou seja, suas reivindicações territoriais, com base em declarações de líderes alemães da época. Mode chama a atenção para o fato de a legenda ter sido colocada sobre a Sibéria, de modo a mostrar menos branco no mapa. Além disso, foi enquadrado de uma maneira que grande parte da América tenha sido deixada de fora.
5. Os portadores da nova peste negra
Este mapa anterior à Segunda Guerra Mundial é uma crítica ao totalitarismo e uma defesa da liberdade de expressão. Os países sob ditadores aparecem em preto, caricaturados e ridicularizados com um qualificativo no texto na parte inferior do mapa. Hitler aparece como um goblin (como um duende, só que mais feio) e Stalin é o “camarada de ninguém”. Do “generalíssimo Francisco Franco, o Caudilho” é dito que é o “Charlie McCarthy do fascismo”, em referência ao boneco mais famoso do ventríloquo Edgar John Bergen. Em outras palavras, chamavam Franco de Monchito dos ditadores europeus.
Seu autor é William H. Cotton e o mapa foi publicado na revista antifascista americana Ken, que também publicou vários artigos de Ernest Hemingway sobre a Guerra Civil Espanhola. A revista teve que fechar em 1939 devido ao medo dos anunciantes e após um boicote da Igreja Católica.
6. O mundo em um trevo
O centro dos mapas não tem que ser necessariamente a Europa. De fato, para cada mapa, ele tem um valor simbólico, o que explica por que a maioria dos mapas medievais se concentra em Jerusalém, como o mapa-múndi da Catedral de Hereford, desenhado por volta do ano 1300 na Inglaterra.
Também ocorre em The Whole World in a Cloverleaf, (do inglês, “o mundo em um trevo”) incluído na coleção de Mode. Embora seja de 1581 e até apareça um pedaço da América, a carta é semelhante aos mapas medievais em que Jerusalém também está no centro. No entanto, ele difere em outro aspecto: já está orientado para o norte. Além disso, o trevo também era uma representação usual da Trindade. Em outras palavras, o mapa, como era o caso dos mapas medievais, não pretende mostrar o mundo como ele é, mas sim reforçar uma mensagem religiosa.
Para ver mais mapas como esses, veja o artigo original e a tradução no Curiosidades Cartográficas.
* Edmilson M. Volpi é engenheiro cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram