Cresce quebra de sigilo de geolocalização em ações trabalhistas

ações trabalhistas e geolocalização
Dados de operadoras e outras empresas de tecnologia estão sendo usados para provar horas extras em ações trabalhistas (imagem: Rawpixel – Freepik)

É cada vez maior o número de casos em que juízes do trabalho obrigam empresas de telecomunicações, plataformas de redes sociais e Big Techs como Apple e Google disponibilizem os dados de geolocalização de usuários em ações trabalhistas. Segundo reportagem do Jota, a quebra de sigilo de geolocalização de funcionários e ex-funcionários tem ocorrido sobretudo em processos nos quais funcionários processam suas empresas cobrando horas extras não pagas. As companhias têm solicitado que sejam coletadas provas nos bancos de dados de operadoras de telefonia, redes sociais, sistemas operacionais de celulares e outras aplicações que possam manter dados sobre geolocalização de usuários.

O Banco Santander, por exemplo, passou a requerer isso aos juízes na maioria dessas ações no último ano. O banco alega que vem sofrendo muitas condenações em processos por horas extras com base apenas em depoimentos de testemunhas arroladas pelo requerente. Como operadoras de smartphones e outras empresas de tecnologia são capazes de mostrar onde uma pessoa esteve em cada momento do dia, é possível verificar se alguém diz a verdade sobre estar ou não em determinado local.

Mesmo que os usuários tenham de autorizar que as informações sejam usadas de acordo com a finalidade dos serviços contratados, existem exceções que permitiriam o repasse dos dados a autoridades, quando isso envolve investigações criminais. E já que o ônus da prova sobre o não excesso de horas extras por parte de um funcionários cabe à empresa, juízes estão usando esses dados como uma espécie de VAR para checar se o reclamante estava mesmo onde dizia estar, com o tema surgindo em decisões e despachos de juízes nos últimos meses.

Leia também:

Ouvido pelo Jota, o Santader alega que, muitas vezes, não tem testemunha apta a confirmar as alegações da sua defesa e que a pandemia e o trabalho em home office aumentaram essa dificuldade. “Os dados de geolocalização não são do Santander, então são provas isentas. A testemunha muitas vezes é amigo do ex-funcionário, então ela é muito parcial”, diz Maria da Glória Arruda, superintendente executiva da área jurídica do Santander, acrescentando que acredita poder usar esses dados nos casos de trabalho presencial em agências bancárias (a maioria dos processos), nos quais o funcionário alega ter batido o ponto mas continuou trabalhando: “De nenhuma forma, é dito onde a pessoa estava, mas se ela saiu da agência”.

A empresa não usa apenas dados de geolocalização. “Quando falamos de provas digitais, não se trata apenas de geolocalização, mas poderia ser até dados do cartão de crédito, mais complexos de obter”.

A CLT prevê a obrigatoriedade de empresas com mais de 20 funcionários manterem controle de jornada por meio do ponto eletrônico, acesso a sistemas internos, VPN ou aplicativo que registra selfie e dados de GPS do colaborador, por exemplo. A estratégia, então, é pedir os dados de geolocalização, mas eles também permitem verificar onde a pessoa esteve quando não estava trabalhando. Ajudam nas disputas trabalhistas, mas, dependendo de como a pessoa gerencia seus dados, também é uma ameaça à privacidade dos envolvidos.

Mas, segundo o advogado trabalhista Fernando Miranda, do escritório Paixão Côrtes, em São Paulo, isso não se choca com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e nem é uma ofensa à privacidade da pessoa. “Se ela alega, em um caso de horas extras, que estava na empresa entre às 18 e 21 horas dos dias da semana, a informação protegida pela privacidade – o local, horário e dias – já foi revelada no processo pelo próprio titular. Não há mais privacidade ou caráter íntimo em relação a ela”, argumenta o advogado ao Jota. Por isso, a coleta de provas apenas para confirmar informações não representaria ofensa à privacidade.

E assim tem sido o entendimento da Justiça, que tem negado mandados de segurança para evitar que os dados de geolocalização sejam fornecidos por operadoras e empresas de tecnologia, inclusive citando o Marco Civil da Internet (MCI), que prevê, no artigo 22º, que é possível o juiz ordenar ao responsável o fornecimento de “registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet”.

Fonte: Jota

Veja também

Não perca as notícias de geoinformação